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Jornal de Saúde Ocular Comunitária 2009;1(1): 2-4

CUIDADO OCULAR PRIMÁRIO

O olho vermelho - primeiros socorros a nível primário

Isaac Baba

Isaac Baba
Cirurgião de catarata, Bawku Hospital, PO Box 45, Bawku, Gana.

O olho vermelho representa uma grande proporção dos problemas oculares vistos na maioria das clínicas oftalmológicas em países em desenvolvimento. Por exemplo, na unidade de oftalmologia do hospital de Bawku, Gana, em 2004 de um total de 21.391 pacientes ambulatoriais, 8.931 tinham algum tipo de olho vermelho, representando mais de 40% do número total de pacientes selecionados.

A maioria dos casos de olho vermelho é vista em clínicas da comunidade e em centros de saúde, onde o diagnóstico e o manejo são feitos por enfermeiras treinadas em saúde comunitária, por agentes treinados em cuidados oculares primários e por enfermeiras oftalmológicas. É por este motivo que deve ser dada a atenção adequada à prevenção, ao diagnóstico precoce e à gestão dos primeiros socorros destas condições.

As causas comuns para o olho vermelho agudo são a conjuntivite e tracoma, úlcera de córnea, irite aguda, glaucoma agudo e ferimentos (ou traumatismo). O olho vermelho pode ocorrer também devido ao uso de medicamentos tradicionais prejudiciais para outras condições oculares. Este artigo trata principalmente do manejo dos primeiros socorros (nível primário) do olho vermelho, que não seja devido a um ferimento.

Conjutivite

Conjutivite

Conjutivite.
Foto: ICEH
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A conjutivite afeta pessoas de todas as idades

É a causa mais comum de hiperemia ocular. Normalmente é indolor e caracterizada por secreção aquosa ou purulenta. Existem vários tipos diferentes de conjuntivite: conjuntivite bacteriana causada por bactérias, ex. Staphylococcus ou Streptococcus ; conjuntivite viral causada por vírus, ex. herpes simplex; e conjuntivite alérgica causada por alérgenos, ex. fumo, cosméticos, medicamentos, etc. Os sinais variam dependendo da causa, mas incluem edema palpebral, hiperemia conjuntival e secreção aquosa ou purulenta. A córnea e a pupila normalmente encontram-se normais.

Tratamento

A conjuntivite normalmente não afeta a visão e é simples de se tratar. Para o tratamento de conjuntivite bacteriana, limpe os olhos e aplique qualquer antibiótico de uso tópico. Na falta de quaisquer antibióticos, simplesmente a manutenção dos olhos livre da secreção permitirá que os mesmos se recuperem em poucos dias.

Normalmente não é necessário nenhum tratamento para a conjuntivite viral, mas uma pomada antibiótica pode dar mais segurança ao paciente. A conjuntivite viral pode ocorrer em epidemias, afetando várias pessoas ao mesmo tempo. Por exemplo, uma única criança em fase escolar, nesta condição, poderia infectar metade da escola em apenas um dia. Em casos como este, é melhor fechar a escola por alguns dias para evitar que a doença se espalhe. Esta condição é conhecida popularmente na África Ocidental como ‘Apolo’. O perigo encontra-se no uso de medicação tradicional errada, que pode piorar a condição do olho.

A conjuntivite alérgica (às vezes também chamada de conjuntivite primaveril ou ceratoconjuntivite primaveril) normalmente possui uma longa história de prurido intenso de ambos os olhos. A conjuntivite primaveril crônica dá aos olhos de uma criança uma aparência castanho escura. Em casos mais graves estas crianças irão precisar de esteróides de uso tópico prescritos por um especialist . Preparações oftalmológicas esteroidais podem ser perigosas e só devem ser prescritas por um oftalmologista.

Conjuntivite do recém-nascido

Qualquer infecção ocular durante os primeiros 28 dias de vida é conhecida como conjuntivite neonatal ou ophtalmia neonatorum. Se for causada por Gonococcus, ela é grave. As pálpebras ficam muito edemaciadas e com secreção purulenta, a conjuntiva fica vermelha e pode haver manchas de sangue, a córnea geralmente está límpida (mas um ponto branco nesta pode indicar uma úlcera, o que é grave e precisa de encaminhamento urgente).

Tratamento

Limpe os olhos cuidadosamente com água limpa ou solução salina fisiológica e aplique uma pomada de tetraciclina de hora a hora. Se a córnea tiver sido afetada, encaminhe o bebê para um centro oftalmológico, onde o mesmo será tratado intensivamente com colírios antibióticos e, às vezes, antibióticos sistêmicos.

Prevenção

Todos os bebês devem ter os olhos limpos imediatamente após o nascimento, e deve ser aplicada uma pomada de tetraciclina. Durante o cuidado pré-natal, todas as mães que possuam infecções vaginais devem ser tratadas. Educar parteiras tradicionais, agentes de saúde comunitária, e ambos os pais, pois esta é uma doença sexualmente transmissível frequente.

Úlcera de córnea

Úlcera corneana

Úlcera corneana.
Foto: ICEH
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As úlceras da córnea podem ter várias causas. Elas podem ser causadas por infecção - bactérias, fungos, vírus ou acanthamoeba, ou desnutrição, como no sarampo/deficiência de vitamina A, que ocorrem em crianças com idade entre seis meses e dois anos. Algumas causas são predominantemente unilaterais, enquanto que em outras, como na deficiência de vitamina A, são frequentemente bilaterais. A consequência de uma úlcera da córnea pode ser uma cicatriz corneana ou uma phthisis bulbi.

Uma quebra na superfície corneana é conhecida como abrasão/erosão/úlcera corneana. Por questões de simplicidade iremos referirnos a todas estas lesões como úlceras. Existem úlceras superficiais e profundas. O paciente irá queixar-se de hiperemia ocular e dor.

As pálpebras podem estar edemaciadas, a conjuntiva encontra-se hiperemiada ao redor da córnea, a pupila encontra-se normal, e a acuidade visual encontra-se frequentemente reduzida. Com frequência há um ponto ou marca acinzentada na córnea. O outro olho frequentemente encontra-se normal. Existe um teste especial para identificar úlceras de córneas: uma tira de fluoresceína é colocada na parte interna da pálpebra inferior e esta irá marcar e delimitar de verde quaisquer quebras no epitélio. Veja a página 79 para instruções de como fazer este procedimento.

Tratamento

A úlcera corneana é um problema ocular sério. Deve ser feita a aplicação frequente (de hora em hora) de colírio antibiótico, curativo ocular, e encaminhamento do paciente para ser socorrido urgentemente. Se o paciente tiver de um a dez anos de idade, também deve ser administrada 200,000 de vitamina A via oral. Todas as úlceras de córnea devem ser tratadas por um oftalmologista, visto que elas podem levar facilmente a cicatrizes corneanas e cegueira.

O especialista irá diagnosticar a causa e tratá-la adequadamente. Úlceras bacterianas são tratadas com antibióticos tópicos e subconjuntivais. Úlceras fúngicas são tratadas com antifúngicos, ex. natamycina, mas são difíceis de serem tratadas. Úlceras virais são tratadas com antivirais, ex. acyclovir. Úlceras nutricionais são geralmente devido à deficiência de vitamina A que se segue após o sarampo ou desnutrição. O tratamento envolve a administração de vitamina A de acordo com a idade.

Irite aguda

Irite aguda

Irite aguda.
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A irite aguda é geralmente de etiologia desconhecida. O paciente queixar-se-á de hiperemia ocular e dor. Não há secreção, mas a acuidade visual encontra-se reduzida. A conjuntiva encontra-se hiperemiada mas a córnea está clara. A pupila geralmente encontra-se pequena e pode estar irregular na forma - isto fica mais óbvio à medida que a pupila se dilata com o tratamento.

Tratamento

Este é um problema sério. Se você puder dilatar a pupila com um midriático de ação rápida, como a tropicamida, isso deve ser feito e, logo após, o paciente deverá ser encaminhado rapidamente para receber ajuda.

Glaucoma agudo

Glaucoma agudo

Glaucoma agudo.
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Esta doença é rara em indivíduos de origem Africana, mas é mais comum em indivíduos da Ásia. No glaucoma agudo, a pressão do olho sobe rapidamente. Isto faz com que o olho fique muito dolorido e vermelho, com baixa acuidade visual. A córnea fica opaca devido ao edema e a pupila torna-se grande e não diminui quando uma luz forte incide sobre o olho.

Tratamento

Esta é uma doença muito séria e dolorosa. O paciente deve ser encaminhado imediatamente para tratamento. Se você tiver comprimidos de diamox (250 mg cada), administre dois comprimidos via oral de uma vez e depois um comprimido quatro vezes ao dia, e encaminhe o paciente. Pode ser administrado colírio de pilocarpina (se disponível) para diminuir a pupila.

Medicina oftalmológica “caseira”

A Medicina oftalmológica “caseira” é tão antiga como o próprio homem. Os curandeiros tradicionais são membros altamente respeitados em cada comunidade. Muitos pacientes que buscam atendimento em uma clínica oftalmológica na África teriam usado alguma forma de erva ou preparação aplicada nos olhos antes de lá chegarem. Isto é especialmente perigoso nas crianças.

Os remédios caseiros podem ser classificados como nocivos ou inofensivos. Os tratamentos oftalmológicos inofensivos podem incluir a magia empregada pelos curandeiros e uso de solução salina, para citar alguns. Entre os exemplos de medicação ocular nociva inclui-se o álcool, conchas moídas, estrume de burro e vaca, preparações de ervas, escarro humano, fezes de pássaros e lagartixas , urina, etc. Os profissionais de saúde ocular espalhados pelo mundo provavelmente seriam capazes de adicionar mais coisas a esta lista, baseados na sua própria experiência, e estas preparações diferem de uma cultura para a outra. As preparações que são colocadas no olho podem causar úlceras da córnea ou piorar as já existentes, e terminar como cicatrizes ou perfurações do olho que levam à cegueira.

O agente de saúde ocular possui um papel importante na prevenção da cegueira através do uso de remédios caseiros. Eles são frequentemente o primeiro ponto de contacto quando algo corre mal com o tratamento, e eles também estão suficientemente próximos da comunidade para poder desencorajar a sua utilização.

O primeiro passo para prevenir a cegueira devido ao uso de remédios caseiros é estabelecer a confiança e o respeito entre os prestadores de assistência médica e os pacientes e as comunidades.

É importante entender as razões pelas quais as pessoas usam remédios caseiros, e não as julgar. Existe uma ignorância generalizada sobre os perigos da auto-medicação nas condições oculares. Muitos pacientes pobres desistem de procurar ajuda de clínicas de saúde por causa da atitude negativa de alguns profissionais da saúde. As crenças sócio-culturais em maus espíritos e feitiçaria podem levar as pessoas a pensar que a melhor atitude a ser tomada é através de curandeiros espirituais, ao invés dos médicos; para muitos pacientes, os remédios oftalmológicos prescritos são considerados muito caros. Além disso, a distância das instalações de saúde acaba por fazer com que os pacientes procurem ajuda na fonte mais próxima.

Tratamento

A maioria dos pacientes tendem a ir ao hospital quando o olho já se encontra lesionado. O tratamento é feito com irrigação de água, se o remédio caseiro foi aplicado recentemente, e depois colírio antibiótico de uso tópico de hora a hora.

Cada oportunidade deve ser usada para educar as pessoas e desestimular o uso de remédios caseiros, por exemplo, a educação da saúde nas comunidades, escolas, grupos de mulheres e clínicas. Encaminhe todos os pacientes com complicações oftalmológicas.

Lesões (ou traumatismo)

As lesões traumáticas representam cerca de 10% de todos os olhos vermelhos. Estas lesões podem causar danos irreversíveis aos olhos levando à cegueira. Muitas destas necessitariam de encaminhamento imediato para um serviço de assistência secundária ou terciária. Os primeiros socorros do olho vermelho com lesão a nível primário serão abordados numa edição futura do jornal, e por isso não será incluída aqui.

Diagnóstico diferencial do olho vermelho sem lesão

 

CONJUTIVITE

ÚLCERA CORNEAL

IRITE AGUDA

GLAUCOMA AGUDO

Olho

Geralmente bilateral

Geralmente
unilateral

Geralmente
unilateral

Geralmente
unilateral

Visão

Normal

Geralmente diminuída

Frequentemente
diminuída

Diminuição importante

Dor ocular

Normal ou ardor

Geralmente doloroso

Dor moderada, sensibilidade
à luz

Dor severa (dor de cabeça
e náusea)

Secreção

Viscosa ou aquosa

Pode ser viscosa

Aquosa

Aquosa

Conjuntiva

Hiperemia difusa (variável)

Hiperemia mais acentuada
em redor da córnea
(perilímbica)

Hiperemia mais acentuada
em redor da córnea
(perilímbica)

Intensa hiperemia difusa

Córnea

Normal

Mancha cinza, branca (que se cora com fluoresceína)

Geralmente transparente (os precipitados ceráticos podem ser visíveis com aumento)

Edemaciada (devido à presença de fl uido na córnea)

Câmara anterior (CA)

Normal

Geralmente normal (às vezes hipópio)

As células são visíveis com aumento

Rasa ou estreita

Tamanho da pupila

Normal e arredondada

Normal e arredondada

Pequena e irregular

Dilatada

Resposta da pupila à luz

Presente

Presente

Reação mínima pois já se encontra pequena

Mínima ou não reactiva

Pressão intra-ocular (Pio)

Normal (mas não tente medir a PIO)

Normal (mas não tente
medir a PIO)

Normal

Aumentada

Sinal / teste diagnóstico útil

Secreção purulenta em ambos os olhos

Córnea com marcação
positiva para fl uoresceína

Pupila irregular quando dilatada com colírio

PIO aumentada

Primeiros socorros em caso de olho vermelho sem lesão

Conjunctivitis

Corneal ulcer

Acute iritis

Acute glaucoma

Secreção em ambos os olhos com córnea transparente e pupila normal

Ponto branco ou marca na córnea que se cora com fluoresceína.

Pupila pequena que se torna irregular quando se dilatada

Olho bastante dolorido com visão diminuída e pupila dilatada

Tratar

Encaminhar

Encaminhar

Encaminhar

Pomada antibiótica 3 x/ dia durante 5 dias
Orientar sobre a higiene

Pomada ou colírio antibiótico de hora em hora

Dilate a pupila se for possível

Diamox via oral 500 mg e colírio de ilocarpina se for possível

Fontes

Sutter E, Foster A, and Francis V. Hanyane: A village struggles for eye health, Part 2: Common eye diseases for village health workers. Part 3: Lecture notes on common eye diseases for ophthalmic assistants. London: International Centre for Eye Health. 1989.